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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Pedra de Sal, miniconto publicado.

Pedra de Sal

Para mostrar a força do mal, alguns bruxos de Ipioca, Maceió, resolveram transformar Janaina em uma pedra de sal. Para isso iriam testar os limites da moça. Se deixasse de ser capaz de amar, viraria sal.

Januário questiona os seus colegas:

_Se nunca transformamos chumbo em ouro, como transformaremos a jangadeira em sal, se a moça conhece o mar e as salinas do nordeste?

Os auto-intitulados “Quatro Cavaleiros do Jegue Poderoso”, sorriram com superioridade.

_Riam por enquanto, que eu nunca vi gente se transformar em nada. Não gosto disso.

Os quatro afirmaram que não usariam de violência. Se eles conseguissem transformar a moça em sal, eles ficariam ricos. As panelas de barro se transformariam em ouro no mesmo instante.

Januário não queria dinheiro desse jeito. O homem vivia do dinheiro das três peixarias na cidade de Ipioca. Ele vendia os peixes em panelas de barro. O segredo do seu peixe eram as panelas, as embalagens e os temperos que davam o sabor ideal. Não quis participar do negócio, mas prometeu segredo.

Dos quatro inimigos, uma era mulher. Seu nome era Sandra. Ela procurou a irmã de Janaína, Petúnia e assim lhe falou:

_Tenho tanto dó de Janaína, sempre no mar, sem cultura. Você não quer ajudar a sua irmã? Ela é tão simples. Desculpe-me por te dizer essas coisas, mas você é professora. Ela poderia ser bióloga. Ah, se ela largasse a jangada por uns anos, ela viveria bem melhor.

Petúnia sentiu uma espécie de remorso. Ela, logo ela, que fazia os testes para o mestrado em matemática; não pensou em ajudar a irmã a seguir uma carreira profissional. Deixou a irmã trabalhar com jangada.

O segundo dos quatro era Piancó. Ele se dirigiu ao pai da Janaína.

_Que bela jangadeira o senhor tem em casa. Que moça bonita. Eu tenho uma preocupação com ela. Se o senhor me der licença, eu falo.

_Pois não, homem. Eu entendo a palavra dos homens de estudo. Pode dizer.

_Eu sei que a sua filha trabalha com jangada e a própria profissão exige bermudas e camisas soltas. Na barbearia andam falando da beleza da sua filha. Será que é muito pedir que esconda um pouco as belas maneiras da moça? Até o padre anda reparando nos comentários. Logo, logo, o padre vai falar com ela. É melhor evitar esse constrangimento. O senhor é pai e não merece esse sofrimento. Por favor, me perdoe essa liberdade de dizer essas coisas.

_Não peça desculpas homem. Um pai avisado é um pai salvo. Eu sou pescador e eu que mandei ela se vestir assim. É bom para a pesca. Vou dizer para que ela não vá à cidade sem se arrumar.

O terceiro homem, Arlindo, era o dono do melhor salão de beleza da cidade. Ele arrendava o ponto para cabeleireiras. Uma das locatárias do salão sugeriu à mãe de Janaína que a moça usasse um novo penteado.

_Janaína anda mostrando o estrago do sal do mar nos seus cabelos. Assim a coitada fica deslocada no meio das moças da terra. Todas arrumadas. Não é questão de dinheiro, não. É questão de se arrumar como moça. A senhora, que é mãe dela, dona Teresa, precisa dar uns conselhos para que ela se arrume, se enfeite. Como diziam os antigos, quem não se enfeita por si se enjeita.

O quarto homem era o dono da padaria. Janaína comprava os pães para a família. Ele, quando via Janaína no seu estabelecimento, oferecia todos os doces para provar. Janaína aceitava apenas um, fora ensinada a não abusar da cortesia das pessoas. Seu Olegário se zangava. Por ele, ela comeria quilos e mais quilos de guloseimas para engordar. As jangadeiras normalmente não são gordas porque o exercício com a navegação não as deixa engordar. No entanto, elas também não são muito magras; elas precisam de força para trabalhar.

Janaína voltou do mar e não reconhecia mais a sua família. Eles davam muitos palpites. Estava difícil a convivência. Ela estava contrariada e de rosto enfezado. Não eram os palpites, era a desconsideração com o seu jeito de ser que a feria.

Januário observava o novo jeito de Janaína. Gritava o nome dela na beira da praia.

_Janaína faça negócio comigo. Eu compro os seus peixes.

Janaína aceitou a parceria. Tinha desistido da sua barraca de peixes na beira da praia. Janaína era bonita, mas com jeito de pessoa pronta para a briga. Fregueses não faltaram. Janaína ficou bem de vida. Não foi mais ao salão de beleza dali. Estudou para construir jangadas. Janaína se vestia do jeito dela. Janaína era ela mesma e gostava de ser o que era, mas ainda contrariada.

Um dia, Januário foi encontrado ferido de faca na calçada em frente à peixaria. Janaína chorou sobre o ferimento. Januário curou a ferida. Pediu à Janaína que montasse a sua barraca de peixes. Nem que fosse para alugar. Nem que fosse para achar o seu sorriso , que não era pedra, era sonho, era onda, era mar, era amor. Barraca Janaína do Mar.

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