Rio de Janeiro

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O blog da Nina, menina que lia quadrinhos.

quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Helênico Filosofar ao Café

Helênico Filosofar ao Café

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Grécia antiga, filosofias, Epicuro.

Não foi à toa que li sobre o filósofo e a sua filosofia. Indicação de amiga.

Para preservar a sua identidade a chamarei nesse texto de Helena. Depois de uma grave enfermidade na juventude, a moça procurou apoios nos filósofos, alguém que dissesse a ela como pensar depois do sofrer com a natureza que é a humana, passível de dores, vírus e bactérias, sem culpas ou culpados. A doença existe e aos vivos pertence. Existir é um fato em si que dá voltas e passeia entre as suas consequências inatas.

Depois de ler Sócrates, a quem chamou de tedioso, e Platão, a quem chamou de “a mosca de Sócrates”, finalmente se deu bem ao ler Epicuro.

Epicuro aproveitava o momento com o cuidado de que esse aproveitar não fosse uma fonte de males futuros. Para ela a filosofia foi o sorvete da esquina, os sapatos dourados da moda, um perfume e uma maquiagem; pensando no que cabia no bolso.

Não deixou de abraçar um amigo quando teve vontade, não controlou o choro, sentava na praça e chorava de mansinho. Os seus sentimentos foram livres.

No entanto, ao seu futuro, preservou o amor ao próximo, como fonte inesgotável de riquezas. Amar ao outro fazia sentir-se bem.

Foi quando se encontrou comigo e me levou à livraria, comprou o livro e me deu de presente. Assim, sem anunciar que iria me dar um presente.

_Amiga, em primeiro lugar, leia este livro. Depois fale comigo.

Abraçou-me e saiu porque estava com hora para entrar no seu emprego:

_Depois conversamos, estou com pressa.

Curiosamente li o livro. Depois, passados dois meses encontrei-me novamente com ela e a convidei para um café.

Perguntei a ela qual o sentido apreciado. Epicuro sofreu muitas críticas a despeito da sua obra.

_Epicuro sofreu críticas porque não fui eu quem o criticou. O momento é o que temos. Problemas todos os têm. Viver a vida com doçura é arte difícil de ser vivida. Vejo gente amarga, cujo sorriso não passa de esboço de um texto não escrito. Para eles, os outros filósofos talvez sejam guias; para mim, não.

Nesse ponto interferi:

_É fato. O que temos é o que fazemos dos nossos momentos, ou, o que sofremos dos nossos momentos sem que o desejemos. São circunstâncias diversas a que somos submetidas e que nos causam dor.

E ela continuou:

_Por isso não vamos ao cinema em dias de chuva e frio, quando deveríamos ir quando a neve não tranca a porta da rua. No Brasil é preciso viajar para se ver neve no sul. Não saímos por preguiça de nos proporcionar um bom momento.

Continuando ela discursou:

_Sinceramente, penso que não exista nada mais ridículo que a vergonha de chorar. Chorar é bom, alivia. Todo o mundo devia chorar à vontade de vez em quando. Não é necessário que seja em público, que chore em casa. Essa gente que chora no banheiro me dá nojo. Eles têm que dizer que choram na sala de visitas e que a casa pertence a eles enquanto lar e que eles choram onde sentem vontade. Lágrima é algo nojento? Talvez a da hiena seja.

Gosto da franqueza da Helena e peço mais um café para ouvi-la.

_Falam tanto em estresse hoje em dia, mas o mundo camufla a emoção. Está certo que poucas pessoas são como eu, mas se reprimir de toda e qualquer emoção é um exagero. Pense: se naquele dia eu não tivesse te dado o livro, estaríamos hoje aqui? Nesse lugar e conversando sobre bons momentos.

Ela tinha falado em choro e eu perguntei sobre o choro.

_Chorar é, para mim, uma qualidade supranatural, é a qualidade do ser que une o lado físico e o espiritual. Não falo daquelas pessoas que choram por tudo, digo, porém daquelas que valorizam o choro como o sentir expresso fisicamente, com o alívio de ambos os espaços presentes na vida, nesse existir no qual muito se procura a razão enquanto outros vivem das certezas do pensamento e da fé; esse é o corpo inteiro e uno os lados físico e emocional desse existir.

Eu tomando café e ela discursando, quando ela virou a conversa e me perguntou sobre o que eu havia pensado do livro.

Disse que concordava em grande parte com o que nele estava escrito. Mas disse também que havia outras correntes de pensamento, algumas antagônicas ao pensamento descrito no livro. Disse também que com ela a conversa era prazerosa, mas que se fosse com outra pessoa que não fosse ela, talvez esse bom momento não existisse.

Ela me disse, então, que é através do momento que existimos.

Sugeri bolo, ela concordou. Aproveitamos a tarde juntas depois do lanche.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Gripe

Gripe

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A gripe,

Há gripe,

Na gripe.

Que gripe!

 

Com lenço,

O lenço...

Consenso

Ao lenço.

 

Poeta

Protesta

Na sesta,

Seresta.

 

Sem rima,

Sem sina

Se ensina

A rima.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O Jogo de Xadrez

O Jogo de Xadrez

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Em um canto oculto da sala está o jogo de xadrez. Não é de plástico e não é de ouro, mas é arte.

Feito de pedra sabão e comprado na feira do Largo da Ordem por uma bagatela. Uma arte tão brasileira não podia ficar guardada no quarto de ninguém. Foi para a sala de visitas e, para não destoar ficou num canto.

Faz alguns anos que o jogo de pedra sabão está lá. Nunca ninguém da casa jogou com aquelas peças estilizadas. Todos preferem o jogo tradicional guardado em caixa própria.

Ele é a obra de arte divertida na sala. Divertida porque todas as pessoas que ficam por algum tempo sozinhas; às vezes esperando o cafezinho, às vezes enquanto se procura um livro recém-adquirido ao visitante, mexem nas peças.

Presenciam-se vários formatos de montagem pelos incautos.

As peças agrupadas formando grupos em reunião, a forma dançante de casais lado a lado distribuídas com criatividade pelo tabuleiro, todas as peças misturadas de um lado do tabuleiro também é interessante.

Quem cai na tentação não escapa da gozação que vem a seguir. Impossível não rir com as peças caídas igualmente em cada lado do tabuleiro. Poucas peças permanecem em pé, todas fora de lugar. Houve exagero religioso ao entabular o Apocalipse quase que dizendo que apenas “Os escolhidos serão salvos”.

Verifica-se a falta de um peão. Onde ele foi parar. Procura que procura e nada de encontrar. O vento está inconveniente e alguém diz para fechar a janela. Olha quem está lá! O peão se fazendo de forte e segurando a janela para que ela não feche.

_Volte para o seu lugar no tabuleiro.

Começa a festa e o rosto corado de quem mexeu no jogo.

Ninguém fica indiferente ao ver o jogo. As pessoas que jogam, quando se seguram para evitar as gafes, pegam nas peças e comentam elogiando ou criticando a feitura das peças.

Sabe-se que é o jogo não jogado mais divertido que se ouviu contar.

_ Pedra sabão é brasileira. Esse é um jogo para...

São tantas as mexidas e os comentários que ele não mais sai do canto da sala.

Tem peças quebradas e coladas com carinho. Alguém ficou nervoso com o jogo. Sabe-se restaurar, sabe-se lidar com a pedra sabão.

_Pode até ter custado caro, mas precisa ficar na sala?

A risada recomeça.

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

Maravilhosidades (Novilírico)

Maravilhosidades (Novilírico)

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São pedaços de conversas que se ouvem em diálogos tão proveitosos que o aprendizado é garantido e divertido.

_Estou mal, estou mal! Chame o médico, diz a avó para a neta.

O médico vem e diz que está tudo bem com a avó.

_Obrigada, doutor. Não podia dormir com medo de morrer.

O médico diz à neta que a avó pregou uma peça a eles: médico e neta.

A neta pede desculpas e diz que se precipitou.

O médico diz que gostou de ver a sagacidade da avó.

_Vovó, por que você me enganou?

_Eu quero demitir o andador e sair por aí como antigamente.

A neta pergunta quem a está ensinando a fazer artes.

_As minhas damas de companhia. Elas te enganam e você nem percebe.

A neta senta-se ao lado da avó e explica que o andador é para auxiliar, um benefício da vida moderna.

_Quer ele de presente para você? Eu me viro bem sem ele.

A neta reconhece que a avó ainda é inteligente e que ela a trata como se fosse um bebê.

_Vovó, prometa que não mais me enganará. Converse comigo e eu verei o que posso fazer.

A avó sorri para a neta.

_Da próxima vez eu chamo o seu irmão. Ele acreditará em mim. Será que ele vende o andador na loja de antiguidades?

A neta responde que não, que não pode.

_Então eu vou sair com ele de braços dados. Será melhor que usar o andador.

A neta insiste e pede para que a avó não mais a engane.

_Se eu ficar com medo, você conta história para mim?

A neta prometeu que contaria histórias a avó.

_O medo foi embora com o médico, pode deitar-se e dormir.

A neta sentiu orgulho da avó. Estava com sono e não pensou duas vezes ao obedecer a sábia senhora que se aconchegava ao cobertor da sua cama.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

Crônica Sobre o Meteorito

Crônica Sobre o Meteorito
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Meteorito?! Jamais pensamos em presenciar um acidente com meteorito! Sentimos muito pelos russos e alguma sensação estranha nessa solidariedade: uma curiosidade mórbida em saber como é a sensação de ser atingido pelo objeto vindo do espaço.
Sinceramente não conheço os elementos físicos e químicos de um meteorito. Lembro-me que peguei num fóssil de mais de cinco mil anos trazido por um pesquisador antropológico que nos ofereceu a sua palestra na cidade. Provavelmente quem ler não acreditará, mas ele garantiu ser verdadeiro e aposto que se divertiu observando as expressões daqueles que quiseram pegar no osso humano de mais de cinco mil anos.
Expresso a minha solidariedade ao povo russo.
Ao mesmo tempo procurei em minha memória dos bancos escolares quem foi o autor do gracejo que fez com que todos rissem em sala de aula. Chamaram-no de mentiroso e ele disse que não era mentiroso não. Quis jurar. Não deixamos porque não queríamos nenhum juramento vão. O colega pediu que ele fosse à frente da sala e dissesse que queria que um raio caísse na cabeça dele se ele estivesse mentindo. O gracejo não parou por aí. Ele foi à frente da sala e diante da turma exclamou:
_Quero que caia um meteorito na minha cabeça se eu estiver mentindo.
A turma reclamou que era raio e não meteorito porque não existiam meteoritos caindo na cabeça de ninguém e ele sabia disso.
O garoto respondeu:
_Existem momentos em que eu me equivoco. De repente os anjos passam, me levam a sério, e num zás-trás pode acontecer que um raio caia na minha cabeça. Se isso acontecer, vocês terão remorso pelo resto das suas vidas. Mas, como eu prezo a cada um de vocês como os mais queridos amigos e, saibam que dos quais jamais encontrarei de mesma natureza e bondade, poupo a todos de tal infortúnio.
A sala foi às gargalhadas. A professora teve que esperar alguns minutos para recuperar a concentração e continuar a aula de matemática. A matéria eu lembro, o orador, não.
Agora é real. Mil pessoas feridas e, nós, atônitos. Sem saber como expressar, sem expressar o que sentimos porque é um sentimento surreal. Parecia que o planeta estava acima dos meteoros, não embaixo. Vamos ter que aprender e assimilar essa tragédia tão diferente de tudo o que foi visto e vivido. Vamos aprender o que é um meteoro na cabeça depois dos primórdios do planeta. Parece que lá atrás, no tempo, o professor de geografia nos contava que os dinossauros foram extintos pelos meteoros.
Que sensação esquisita será olhar para o céu de agora em diante, agora que a piada perdeu a graça.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

A Dor Eterna

A Dor Eterna
Mãe e filha conversam para matar o tempo sem ter nada o que fazer no feriado.
_Filha, você sabe me dizer qual e a dor eterna?
A filha, entendendo o que a mãe quer dizer responde:
_É a dor de amar, mamãe.
A mãe sorri na sublime dor de ser mãe, nesse amor que é mais que troca, é a comunhão de carne e espírito, a dor do ventre que anuncia que a partir daquele momento o amor não mais se acaba.
E a mãe reflete, junto à filha:
_Muito triste é quem não experimenta a dor de saber do amor. Desse amor latente que desabrocha numa extensão do ego não palpável, nesse amor da fera lambendo a cria, nesse amor que pede a compreensão de toda uma vida.
A filha percebe a mãe mulher, a mãe que sente o gozo da maternidade como se fosse um cio sem fim.
Num instante, a mãe franze o rosto, continuando a reflexão:
_Se as mulheres soubessem da recompensa por ensinarmos os filhos a buscarem a felicidade dentro dos caminhos do bem, da bondade e da generosidade! Ah! Se elas soubessem o quanto é bom ensinar os filhos a dizerem sim e não. Sim para o bem. Que os filhos saibam dizer não com estupidez e resistam ao mal com veemência. Não nascemos para a estupidez das mesquinharias, sejamos estúpidos para com elas. Não teria sentido engravidar para ver o bebê crescer para ensinarmos a serem maus, não faria sentido, ao menos, para mim.
A filha cala-se e a ouve com carinho:
_Não importam as adversidades, se defenda sendo boa. Se usássemos as mesmas defesas que aqueles que usam o mal, como estratégia de vida, se servem, não seríamos bons. Dizem que da vida levamos o que vivemos. Eu penso que da vida levamos o amor que por ela tivemos nesse espaço de tempo em que nos é permitido estar por aqui.
A filha percebe a mãe, emocionada.
_Busque o que seja amável. Radicalizando digo ainda que abandone todo e qualquer sentimento ruim que possa surgir em seus pensamentos.
Sorrindo a mãe pede para ouvir uma canção e pede que seja o lema da filha: Procure sempre ser feliz.


domingo, 10 de fevereiro de 2013

O Inverossímil

O Inverossímil

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Para filosofar a respeito do inverossímil preciso é preciso saber do que se trata: Aquilo que parece ou não é verdadeiro, segundo o dicionário consultado.

O inverossímil é perda de tempo para os que são práticos, pois a eles interessa o que é palpável e concreto, ação com utilidade teórica ou de fato.

O inverossímil é motivo de sonho de vidas inteiras como a ida ao passeio de pesca na Groenlândia para descobrir o endereço da casa do Papai Noel, quando se sabe que ele mora na Lapônia. ( Nota da autora: Estou sendo parcial nesse texto, notem a malícia do contexto.)

O inverossímil para os pesquisadores é motivo de pesquisa e certificação da sua não existência, como a pesquisa sobre a vinda dos extraterrestres ao Carnaval do Brasil.

O inverossímil para os homens bons é a mentira deliberada.

O inverossímil para os homens maliciosos é a falta de oportunidade do fato que não aconteceu.

O inverossímil é o desejo de alimentar uma esperança de improvável realização.

O inverossímil, para os místicos, uma verdade que não pode ser comprovada por motivos ocultos.

Existem tantas possibilidades para o inverossímil quantos a imaginação permite. No entanto, existem curas vindas sem explicações técnicas comprovadas. Existem afetos abnegados. Existe raciocínio na teoria do Caos. Existem doadores anônimos. Existem amores ocultos. Existe a torcida invisível pelo sucesso do outro. Existe a troca de energia nos abraços.

O problema de quem pesquisa o improvável é que ele entra no labirinto sem saber se sairá antes do fim do seu tempo sem saber se vale a busca da teoria.

Buscar o inverossímil, com sensatez, se faz através do fato feito, por exemplo: através da cura de um doente, pesquisar e analisar todos os dados possíveis que o levaram ao feito.

O inverossímil pode se transformar em algo pernicioso quando a teoria não tem fundamento e a busca é inútil. Para se pensar em buscar o inverossímil é preciso de dados claros e limpos de intenções segundas. Prática de poucos com extenso conhecimento entre as premissas falsas e verdadeiras.

Viver dentro do possível é melhor, muitas vezes, do que na busca desse inverossímil. O bem diário tem a sua utilidade na prática, riscos diminutos e talvez próximos à mediocridade de não se buscar nada especial.

O inverossímil? Para mim? Ah, deixo de lado. São reflexões de um domingo, domingo que se fez feriado e descanso.

sábado, 9 de fevereiro de 2013

Cochicho de Carnaval

Cochicho de Carnaval

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A microempresa de confecções atrasou a produção das calças coloridas de verão, corria o risco de atrasar a entrega das peças aos atacadistas.

A dona da empresa combinou o plantão no feriado de Carnaval com as costureiras. Todas as funcionárias aceitaram a ideia prontamente.

Chega o sábado de Carnaval e todas estão à espera da abertura da porta para ligarem as suas máquinas de costura.

Ao abrir a porta, a chave se quebra. Nos dias de hoje não se pode deixar grandes quantidades de produtos à mostra, o risco de uma ou outra peça ser furtada é grande. A dona da loja, Cremilda, chama o plantão de chaves para fazer a cópia e se garantir de toda e qualquer possibilidade de chuva.

O chaveiro chega e Cremilda o atende pessoalmente deixando as funcionárias lá dentro trabalhando.

O cochicho começa e Cremilda, no entremeio da conversa sobre o preço da chave, ouve os comentários das senhoras:

_Eu não ligo para Carnaval, nunca dancei. Ficar de plantão é muito melhor.

A outra responde que também não gosta de festa e complementa:

_A festa eu não gosto, o que talvez seja motivo de reclamação seja a salada em pacote e os sanduíches da hora de almoço. Em dia normal, a gente pega marmita, mas durante os feriados os estabelecimentos fecham.

De cochicho em cochicho tecem a magreza da Cremilda:

_Eu acho que ela não come nos dias normais.

A outra diz que se a dona Cremilda adoece não tem quem cuida da indústria:

_Ela deveria se cuidar e pensar que da disposição dela dependem os nossos empregos.

A outra repara a sombra nos pés da porta.

_Será que ela está escutando atrás da porta?

Dona Cremilda, conversando com o chaveiro e ouvindo parcialmente a conversa, pede licença ao homem para colocar os pés para dentro da sala de costura e diz:

_Eu não sou surda minhas queridas amigas de trabalho, eu ouço o que dizem. Será que ela está ouvindo não é a pergunta certa. Estou cuidando de vocês ao comprar esta chave. O chaveiro é um homem sério, percebo. Porque se ele fosse de índole duvidosa, os seus comentários o deixariam á vontade para me vender uma chave usada, trocada recentemente por alguém. Amigas, esperem a conclusão da colocação da chave antes dos comentários.

As funcionárias ficaram sem graça e voltaram ao que faziam: costuras.

O chaveiro falava em cochicho com ela, quando a funcionária esticou as orelhas:

_Dona Cremilda, estará o banheiro das funcionárias adequado para entrar, estou precisando ir até lá.

A funcionária fica sem graça e sai.

Cremilda disse que o chaveiro poderia usar o banheiro. Disse á funcionária que se contivesse:

_O amor precisa de certeza para sobreviver, não podemos nos deixar levar pelas desconfianças enquanto cozemos. Você desconhece a minha realidade e o quanto eu aprecio o seu capricho no acabamento das peças. Agora sabe. Comporte-se. São muitos anos comandando essa empresa. Conheço os cochichos de todos, do chaveiro também. Não é fácil você organizar as ideias, selecionar os moldes, as máquinas, as funcionárias, os atacadistas e o tipo de público consumidor desejado.

O chaveiro a chama de tola, polidamente e sem ofendê-la, pois conversar nesse tom amistoso com as funcionárias pode fazer com que elas percam o respeito pela chefia.

_Foi nesse tom amistoso que o senhor me pediu para ir ao banheiro. A chefia não prescinde da compreensão dela por parte dos empregados. Esse é o meu estilo de comando, ou todas elas são boas colegas umas com as outras, ou não duram no emprego, eu verifico pessoalmente o bom ambiente de trabalho porque ele garante parte do meu lucro e a quase totalidade da minha saúde, também preciso de médicos para saber como estou independentemente dos negócios da empresa. Eu tenho consciência da minha importância na vida delas e quero que elas saibam que são importantes para mim.

As funcionárias voltam ás suas máquinas e o chaveiro segue ao banheiro. Enquanto Cremilda espera o homem sair para pagar a chave, ela pensa no que a motivou ao plantão do feriado e chegou à conclusão que ela precisava se livrar desse medo de não cumprir as metas planejadas. Reflete que colocou todas as funcionárias de plantão mais em função desse medo do que da realidade; horas extras ao final do dia resolveriam a produção. Subjetivamente, quem precisava estar com as costureiras era ela; as microempresas dependem do dono delas, não há gerente que dê jeito porque não há como contratar um profissional desse gabarito. De quem ela tinha medo? Do gerente, da possibilidade de precisar dele e não ter como. Descoberto o medo, ela se sentiu melhor preparada para enfrentar o desafio de ser a dona e a gerente de si mesma. Também era humana, frágil, feminina, também tinha filhos para cuidar e o pior, era o bicho-papão de si mesma. Agora o fantasiado bicho-papão dormia dentro de si, poderia sorrir.

Ao encerrar o dia, fez um elogio a cada uma delas, ressaltando as qualidades particulares de cada uma delas. Todas saíram contentes naquele dia, não era cochicho, era grito de Carnaval.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

A Gaita de Fole

A Gaita de Fole

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Lá fora se ouve a gaita de fole, escoceses à janela. Homens de saia e mulheres de cabelos ruivos.

Parece ficção, mas é real, a música adentra as casas e os apartamentos. Homens gritalhões se abraçam felizes e saudosos. Desejam entre si boa viagem.

Acordo e me belisco, dói. Estou acordada. A gaita de fole não para.

Estou no Brasil em pré-carnaval. Cadê o samba? Penso em Sarah Ferguson, a ruiva de fibra admirável, eis uma princesa de gênio forte, que diz o que pensa e consegue o que quer. Gosto dela como ser humano, da sua autenticidade.

Não, não estou em Londres. Não posso ver Sarah Ferguson, mas escuto a música da Irlanda. O vozerio é brasileiro.

A gaita de fole continua e o som estrangeiro também. Não existem campos escoceses nas grandes cidades, não conheço irlandeses.

Rosto lavado, café tomado, a gaita de fole nos meus ouvidos atiça a curiosidade.

O dia está nublado e me dizem que deve ser algum instrumentista ensaiando, afinando o seu instrumento, agitando alguma canção.

Os meus ouvidos me dizem para abrir a janela. A gaita de fole está no chão entre os turistas que festejam ao conhecer a cidade.

Não vi Sarah Ferguson, mas vi a Irlanda inteira. A Irlanda nublada e úmida da roupa para secar em frente às lareiras no interior. Vi a Escócia bagunceira de cabelos claros. Vi o irlandês ruivo brindando à vida.

Viagem de sonhos nos campos floridos na xícara de café quente. Quase saio para brindar o dia que amanhece junto com eles.

Sinto-me ruiva e forte como Sarah, a minha princesa desta manhã. Os homens de saia são bonitos em sua algazarra, mas ele não estava de saias. O tocador da gaita de fole usava calças e abraçava os amigos. Gostei de vê-lo nesta manhã.

Nada como sentir o clima da Grã-Bretanha sem esperar, de surpresa, ao acordar.

A neblina, a chuva a deixar a festa de amanhã acontecer hoje dentro de mim.

Hoje a roupa não seca no varal, eu tenho certeza.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Crise de Apêndice

Crise de Apêndice
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Cecília teve uma crise de apendicite e teve que fazer a cirurgia. Ela e o marido eram relações públicas dos franqueados da empresa Chocolates SA.
O marido, Humberto, deixou a filha tomando conta dos negócios enquanto a mãe tratava da saúde, mas recomendou a ela que dissesse que passaram o final de semana viajando e resolveram prorrogar o passeio por mais alguns dias. Era mais fácil a desculpa do que a explicação técnica da pequena cirurgia aos mil e setecentos e cinquenta e dois associados, que desejariam melhoras e pronto restabelecimento. Folga é desculpa melhor que doença, ossos do ofício dos profissionais de relações públicas. Se houvesse alguma complicação, contariam aos associados; se não houvesse passaria por folga mesmo.
Dezoito anos, dois dias de substituição nas funções da mãe, Eulália pensou que seria fácil.
Chega à empresa a franqueada para repor o estoque de chocolates da sua loja, compra e depois de saber que a moça era a filha, pergunta o peso da garota.
_Você é jovem, cuidado para não engordar.
Chega outra franqueada, a mesma conversa:
_Não deixe de comer chocolates. A juventude permite guloseimas.
Agora entra um homem lojista;
_Avise à sua mãe que eu não entrei nesse negócio de chocolate para os consultores tirarem férias fora de época. Se eu que não vender chocolates este mês, será o bastante para exigir o meu dinheiro da compra de hoje de volta.
Na hora do almoço, Humberto liga para saber dos negócios e a moça conta.
_Filha, coma os mesmos chocolates que você costuma comer, nem a mais e nem a menos, pelo menos agora que precisamos de você. O comprador venderá o quanto ele for capaz de vender, nem mais e nem menos.
Depois do almoço chega ao escritório a conhecida senhora que sabe da vida de todo mundo.
_A sua mãe não está? O seu pai também? Que bom que eles estão passeando, com tanta gente doente por aí. A Silmara com gripe, a Rogéria com virose, a Celeste com crise alérgica, a Romilda com bronquite, o Arnaldo com espondilite, a Silvana com artrite e a sua mãe?
A filha cansada de ouvir aquele relatório médico sobre os conhecidos, responde:
_A minha mãe com apê... Apartamento de resort ou de hotel.
A freguesa pergunta quando ela volta exatamente porque ela quer comprar o novo bombom, mas precisa das informações sobre a aceitação do produto no mercado.
_A minha mãe volta, volta, volta, hã, quando ela quiser. Não, quando ela quiser não porque ela gosta de estar aqui junto a todas vocês, senhoras comunicativas e compradoras, por que não dizer que mamãe também visa lucro? Não há porque se sentir constrangida em dizer, todos vocês visam lucro.
A freguesa ouviu a moça e diz:
_Não me diga que a sua mãe não pode mais comer chocolate! Era a paixão dela. Ela não era relações públicas daqui por dinheiro, era por paixão.
A moça pediu à freguesa que ligasse e conversasse com a Cecília quando ela voltasse de viagem.
A freguesa foi embora. A filha, nervosa liga para o hospital para saber da mãe e o pai diz que a cirurgia demorou menos tempo do que extrair um dente do siso encravado no osso. No dia seguinte poderão estar em casa.
Entra o outro comprador:
_Ah! Temos gente nova por aqui. A Cecília nunca me deu confiança, quem sabe esta linda garota queira sai comigo.
Ela ficou com fisionomia de paisagem e perguntou o que ele queria comprar.
_Eu quero algo tão belo e doce quanto o seu sorriso a me ver entrar nesta sala.
A moça disse que não tinha e ele que voltasse outro dia que encontraria a antiga megera na função.
Tudo volta ao normal na segunda-feira, todos nos seus devidos lugares, quando a Cecília recebe os telefonemas:
_A sua filha precisa cuidar-se, estive aí e ela estava distraidamente devorando os chocolates com os olhos. Ela está bem?
_Eu não dou chocolates à Franciele, eles dão acne. Cuida da sua menina, a pele dela está ficando oleosa.
_Cecília, como está você? A sua filha disse que você não ama mais o negócio de chocolates, que agora o seu único prazer é o lucro! Conte comigo se estiver em dificuldades.
_Cecília, aqui é o Francisco. Tratei bem a sua filha e disse que ela está uma bela jovem. Ela disse para que eu voltasse quando a megera estivesse aí. Fiquei espantado com a atitude dela. Onde se viu te chamar de megera.
Terminado os telefonemas, Cecília liga para o marido e diz que agora é o fígado que a incomodava, não o dela, mas aquele que ela iria comer no jantar: o da filha.
Como diz o chavão: Tudo Está Bem Quando Termina Bem.
No dia seguinte mãe e filha iam juntas ao trabalho. O marido ficou vendo futebol, quem merecia o descanso era ele. Não queria nem saber no que iria dar tanto apêndice.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

O Que Significa Isso? Crônica de Supermercado

O Que Significa Isso? Crônica de Supermercado

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Há dias diferentes de todos os demais, mesmo no pão do supermercado.

Domingo de pouca gente e fila com a temperatura devagar. Alguns entediados, outros na fiel rotina, como eu.

Não gosto de assuntos ruins, então não conto o fato em si, mas certamente quem ler, deduzirá o fato.

De repente todos nós, na fila, sussurrávamos uns aos outros:

_Que vontade de largar a cesta e sair agora mesmo daqui.

O outro também confidenciava:

_Se você sair correndo, eles podem ir atrás de você.

Outra freguesa comenta:

_Disfarcemos e façamos de conta que não estamos vendo.

Todos nós disfarçamos, mas o cochicho continuava:

_Parece que ele aponta com o dedo dentro do bolso contra o segurança.

O outro falou:

Olha aquele encostado na porta controlando o movimento.

A outra comenta:

_Metade saiu, metade está no fim da fila.

Foi então que combinamos ao ouvirmos o senhor que estava próximo a nós:

_Paguem as contas das cestas nos caixas e sumam. Esqueçam a chuva que cai. Vamos para as nossas casas o mais rápido possível, mas sem correr para não dar na vista e deixar os que estão atrás de nós em perigo. O segurança está se comunicando com alguém, fiquemos calmos.

Eu sei é que saí e tomei banho de chuva, mas vim embora.

O que terá sido isso?